O aumento do consumo de alimentos industrializados e o sedentarismo são apontados como as principais causas da obesidade infantil. Somado a isso está o tempo que as crianças passam em frente à TV todos os dias.
As crianças brasileiras acumulam 3 horas e 31 minutos, por dia, diante da telinha e são recordistas no mundo, à frente inclusive das americanas, segundo pesquisa realizada em nove países. Durante esse período são incentivados a consumir, inclusive alimentos, como biscoitos e refrigerantes.
A coordenadora do projeto Genética de Transtornos Alimentares da Universidade de São Paulo, Sophie Deram, alerta para a lógica da indústria de alimentos. "Os alimentos têm que ser interessantes para ser comprados. A América Latina foi considerada com o crescimento mais promissor do mercado de alimentos e bebidas. No Brasil, essa industrialização infelizmente trouxe um monte de alimentos muito palatáveis, muito interessantes, especialmente para os nossos jovens, que estão consumindo uma quantidade absurda de bebidas doces e refrigerantes. Essa foi a maior mudança dentro da alimentação das nossas crianças"
Consumo de refrigerantes
O consumo de refrigerantes no Brasil é de 86 litros por habitante, por ano, de acordo com dados da Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e Bebidas não Alcoólicas. O de sucos e chás prontos para beber é de 43,7 litros.
Ana Claudia Bessa tem 42 anos e dois filhos, de oito e dez anos. Ela reclama do bombardeio a que as crianças são submetidas diariamente, desde que tinham em torno de três anos. Ela integra o Coletivo de Mães Infância Livre de Consumismo, movimento iniciado há dois anos em reação a ideia de que só os pais são responsáveis pelo que as crianças consomem.
Ana Claudia considera a publicidade nociva por passar conceitos errados a pais e crianças, especialmente no tocante à alimentação. "Eu vou citar um exemplo de uma publicidade que me deixa muito nervosa. A do Sustagen Kids. Uma criança com um prato de comida na frente, acho que é couve, aí a criança olha pro prato e...aí a mãe fica com aquele drama que só mãe sabe o que é um filho que não come comida, aí ela saca o copo de achocolatado, dá o achocolatado pro filho e o filho toma o achocolatado e fica todo mundo feliz. Olha a injustiça que acontece, olha a desigualdade, estamos fazendo competir um copo de chocolate com um prato de couve. É muito difícil a gente educar nossos filhos quando vem uma propaganda e diz 'sua mãe não precisa te dar comida, é só tomar o chocolate'."
Regulamentação da publicidade infantil
Em resposta ao excesso de publicidade direcionada às crianças, o Instituto Alana, organização não governamental que luta pelos direitos da infância, criou Projeto Criança e Consumo para ampliar a conscientização da população sobre o tema e defender a regulação desse tipo de comunicação.
De acordo com Ekaterine Karageorgiadis, advogada do instituto, até os 12 anos, as crianças não possuem a capacidade para compreender o caráter persuasivo das mensagens publicitárias e, por isso, devem ser protegidas. "É muito triste a gente se deparar com essa realidade em que as crianças têm cada vez mais excesso de peso, estão cada vez mais obesas, estão cada vez mais doentes. A gente também tem que pensar o consumo alimentar das crianças e das famílias dessas crianças é uma das consequências e um dos modos de uma realidade que valoriza o ter em detrimento do ser. Então, os alimentos também são vistos como produtos, formas de status, prestígio, valorização, enfim, cada vez mais palatáveis, cada vez mais saborosos."
Projetos na Câmara
Há 13 anos, o deputado Luiz Carlos Hauly apresentou projeto de lei para regulamentar a publicidade infantil (PL 5921/01). A proposta já passou por três comissões e aguarda votação na última, a de Constituição e Justiça e de Cidadania.
Hauly afirma que sua intenção com a proposta é conter abusos. "Principalmente na televisão, que acaba induzindo ao consumismo. Há um conflito entre querer e poder muito grande. No Brasil, temos as melhores agências de publicidade e as melhores propagandas do mundo, o que acaba criando um ímpeto, um estímulo ao consumismo em famílias que não têm poder aquisitivo."
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tentou regulamentar a publicidade de alimentos ricos em gordura e sal por meio de resolução, mas o documento foi questionado na justiça. A Advocacia Geral da União questiona a competência da Anvisa e aponta a necessidade de uma lei federal sobre o tema.
Além do projeto que restringe a publicidade direcionada às crianças, há outras propostas sobre o tema em discussão na Câmara como a que obriga a divulgação de advertência sobre obesidade em embalagens de produtos altamente calóricos (PL 1480/03) e a que obriga a afixação de cartazes de advertência sobre a obesidade em estabelecimentos que comercializem alimentos "fast food" (5674/13).